A História de Andino - 2º ATO (parte 1)

Capítulo 2 – A paixão

Meu nome é Andino Só Soares. Sou filho de um alfaiate com minha mãe, Ofélia. Ainda quando menino eles me mandaram para estudar em Arquemis, a cidade onde está situado o castelo do rei. Sou artista. Escrevo, pinto, toco e algumas coisas a mais.
E eu não posso deixar de narrar a minha história sem falar em Élle. Cabelos claros, olhos intrigantes, misteriosos, simpáticos e sensuais. Corpo fino. E alta, mais alta do que eu. Meiga e delicada quando a observo. A espontaneidade é a sua característica mais marcante.
Eu estava na escola de teatro quando nos encontramos pela primeira vez. Foi nos primeiros dias de aula. Eu estava ouvindo a professora falar algo a respeito da essência da arte, sem nenhum escrúpulo ela entrou na sala com um balanceio exagerado e cumprimentando as pessoas da sala com voz bem alta. Nos primeiros dias não fiz amizade com ninguém, apesar de conhecer algumas pessoas lá. Mas quando eu passava perto de Élle, ela dizia:



Élle – Seu sorriso é tão bonito, sorria para mim.

Eu gostei de ela ter falado comigo. Mas apesar disso dei a ela uma expressão bem carrancuda. Isso aconteceu algumas vezes e reagi sempre da mesma forma, afastando-a.
Minha rotina envolvia muito o estudo e a arte, mas também sempre aproveitei as amizades que eu tinha, saindo pela noite a fora. Nunca fui libertino, não por falta de desejo, mas algo me impedia de ser.
Quando comecei a fazer aulas de violino, tive uma agradável surpresa. Élle tinha aulas de boas maneiras na mesma hora, bem ao lado da escola de música, com isso nos víamos diariamente.
Começamos a conversar cotidianamente e nos tornamos bons amigos. Também conheci a duquesa Juliana, sua melhor amiga.  As duas se aventuravam pelas noites nas praças, nas montanhas e até nos bares. A princesa Élle não tinha uma boa fama na cidade e ela também não fazia questão de ter.
Certo dia Élle, duquesa Juliana e eu passeávamos pela noite. E a duquesa nos falou algo que mudou a minha vida:

Duquesa – Por que vocês não se beijam?

Não sei porque ela falou isso. Não sei qual era a pretensão dela. Não sei se existia algo por trás dessas palavras. Na verdade naquele momento eu não sabia de mais nada, apenas que minha boca secara, minhas pernas perderam a força e que eu queria muito beijá-la. Então nos aproximamos e nos beijamos. Foi rápido, singelo, mas foi tão cheio de energia. Um sentimento incrível que me fez sentir vivo. Que me deu anos de noites mal dormidas. Depois daquele beijo tudo mudou. Eu não fui mais amigo dela, fui seu capacho, criado, qualquer coisa que ela amava, mas dentro de mim, ficar ao seu lado me fez sentir uma expectativa que me levou a perguntar:

Andino – O que será que virá agora?

Vivi todos os instantes em que estávamos juntos tão intensamente, mesmo que eram instantes apenas como amigos. Ela pediu para que eu escrevesse um poema dedicado a ela. Era o momento de expressar meu amor e conquistá-la de fato. Escrevi então:

“Menina linda da pele clara, que está sempre encontrando o que não procura. Onde é que você está indo, sendo assim, tão assim?
Querendo ou não, sei que não quer. Sentindo ou não, se esforça para não sentir. Com o cotidiano de um velho sábio besta, você segue o seu caminho com a cabeça servida à mesa. Com a sua sandália marcando o chão, rastros de farejo por seus olhos – o cão. Chorando as suas lágrimas, mordendo a sua mordida, como o cego que não se guia. Sendo você assim, tão assim, disfarça-a do nada assim que é. Assim como a montanha não vai ao que professa ter fé. Engrandece-se diante do ouro de tolo e nada é diante do tolo bobo. Corta críticas como uma navalha afiada, corte preciso de deixar sem fala. Mas é tão frágil contra um elogio que quase nunca o aceita, deixando-o sombrio.
Assim é você, tão assim para mim, com tudo o que fez por ter e com nada que fez por merecer. Sendo feliz e ficando triste. Deixando os outros na mesmice. Sempre querendo provar que dois mais dois, igual a quatro sempre dará. Mas cada história é uma estória. Sendo a sua ou a minha, os caminhos podem se cruzar ou apenas como sempre e hoje, apenas juntos sempre andar.”
Élle me encantou tanto que não aguentava vê-la envolta de suas próprias escolhas. Eu não me deixava esquecê-la, mesmo sabendo que fazê-lo me faria melhor. Pois junto a nós havia uma sentença, uma louca trepadeira sentada à mesa sem ser ou querer, apenas ser e fazer. Estar quando vier, estar quando puder, entendendo a cada dia como o minuto. Preciso entender cada minuto como tendo o valor do dia.
Sair da cabeça ao chão, sem sair e sem dar sugestão. Falar como não sabe, saiba e fale.
Esquecer os quilômetros deixados nos poemas e talvez na rua ver as suas curvas e então em todo o lugar, ver o seu olhar.
Nem sei o que sou... Bem que às vezes eu poderia ser um você. Só para ter o que fazer. Às vezes eu iria me ver saindo pela varanda da minha casa soltando um grito sozinho de socorro, dizendo:

Andino – Tirem-me daqui, já não agüento.

Não me prendo novamente numa corrente inexistente e nem serei mais você. Às vezes me culpo por ser eu mesmo. Só porque já carregaram a cruz uma vez, eu não sei porque me cobro isso para vocês.
Queria ser um pouco de tudo, um pouco de louco, vagabundo, ser maluco, ser beleza, ser o que sou da minha maneira. Esquecer o sistema, loucamente viajando por uma estrada de sonhos sem fim, sem direção, sem lugar ou sem nenhuma mão. Ninguém irá me estender. Estive um bom tempo sem ninguém, hoje estou aqui sem você. Sou louco, vagabundo, dono do meu mundo, mas não sou dono nem do meu nariz. Sou o, não sou o um, nem mais um querendo chegar. Sou só “o” querendo ficar. Não sou dono de tudo. Repito quase imundo que não sou dono de você, apenas mais um tentando fazer. É tão bom perder, enxergue! Tentei ganhar, não sou você. Pelo menos perdi, mas tentei. Infelizmente não foi uma vírgula, foi apenas o ponto final.
Não, nada aconteceu. Não tinha mais nenhum beijo. Mais nenhum incentivo da duquesa. Aconteceu que a gente se perdeu. Ontem estava tão perto! Hoje as pulseiras que via, já não havia. Se perdeu não vai achar, se saiu logo voltará. Os dedos entrelaçados, os passeios mal acabados em sorrisos alegres e calmos. Mas hoje se perdeu. E se perdeu não vai mais achar e se saiu logo voltará. Aconteceu que a gente se achou, mas logo se perdeu. E se perdeu não vai mais achar e se saiu logo voltará.
Aconteceu com os violinos, madeiras caras e os pássaros andinos. Dedos se esforçando, pessoas passando. Porque aconteceu que hoje estou aqui e amanhã ela estará lá. Mas logo se perdera. Se perdeu não vai mais achar e se saiu já voltará. Português bem claro, reinado e calmo. Como o céu de anil, os dentes olhando o canil. A confusão acontecendo, muita gente cedendo. Loucos falando e gritando, lá vem de novo o canil e a solução é alugar o céu anil. Aconteceu que aluguei meu coração. Pegaram e logo o perderam, mas se perdeu não vai mais achar e se saiu logo voltará.
Os anos se passaram naquela mesma rotina torturante. Mas chegou o dia em que deixei a escola de teatro e também de violino. Élle também não freqüentava mais as aulas de boas maneiras. Decidi não ir à trás dela.
Mais um dilema servido a mesa. Pratos raros e caros, mais uma vez com um sabor de tristeza. Tenho a filha de minha jóia rara, que és mãe gentil e que me serve sem olhos na cara. Hoje me abandono saindo de teu lado. Tendo guardado te demonstrando aquilo o que mais apreciava. Tendo de falar como se não acontecesse ou então como se não aconteceu.
Viajarei por ter viajado demais em teus pequenos olhos que já não quero ver mais, pois queria tê-los para mim.
Queridos pais já não posso dizer onde está minha felicidade. Por isso saio de maneira tão voraz. Cortando o vento com uma idéia em mim, dessa vida não estou mais a fim.
Querida companheira de emoções, infelizmente não compartilhei com ti a mesma emoção que senti. Felizmente sou um ser humano, ridículo, limitado e que não uso o máximo da minha cabeça animal. E posso ainda esquecer algo que me mostrou o quanto fui tão frágil e banal. Não tanto o quanto o que estou a fazer. Escrevendo para o nada, sabendo que nada irá me dizer o que fazer e ver.
Tento ser corajoso fugindo de um medo que pode me deixar rancoroso. Tento ser tão desquitado, mas como eu não sei, pois nunca consegui sentar daquele lado. Cobro-te de maneira desoladora e consigo algo que nunca poderei ter. Tua felicidade sendo a minha. Por isso como corajoso homem que sou, fujo por não ter coragem de demonstrar aonde vou.
Não lhe culpo, pois fez o que deveria fazer. Buscou sua felicidade em seu próprio prazer. Não me culpo, pois fiz o que deveria ser feito, procurei minha felicidade em você. Encontrei-a parcialmente, mas posso uma coisa dizer sem medo de me criticarem, eu tentei!

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