A História de Samuel e Helen - parte 3

Noutro dia, logo de manhã Samuel acorda e nota que Helen não está em casa. Ele sai a sua procura. Espia a casa do chefe, a casa das outras pessoas e não a encontra. Desesperado grita:



- Helen! Helen! Onde você está?
- Será que ela foi embora? – pergunta ele a si mesmo.

Algumas outras pessoas vendo que Samuel procurava por Helen, começaram a procurá-la também. Passado algum tempo de busca, veio um rapaz até Samuel e falou:

- Ela está ao pé do monte.

Samuel corre até onde Helen está e chegando a encontra chorando sentada e olhando a beira da estrada com a bíblia na mão. Samuel senta ao lado dela. Ouve seu choro. Entristece-se pela dor daquela menina. Ele coloca a mão dele sobre a dela. E assim ficaram por algum tempo.

- Vamos voltar. – diz Samuel.
- Voltar para onde, eu não tenho para onde ir.
- O que é isso na sua mão?
- É uma Bíblia.
- O que é uma bíblia? – inquiri Samuel.
- É o livro de Deus. – diz Helen.
- Deus? Quem é esse?
- Você não conhece Deus? – estranha a jovenzinha.
- Acho que nunca vi ele por aqui.
- Eu também não. Nunca o vi, mas eu o conheço.
- Ahn? – Samuel faz uma cara de quem não entendeu nada.
- Minha mãe dizia que Deus está em todo o lugar, que Ele sabe todas as coisas e pode fazer tudo o que quiser. Por isso acreditamos que Ele pode nos ajudar sempre que precisarmos.
- Acho que já ouvi falar dele. O papai já falou sobre um grande espírito. Ele diz que o grande espírito manda muito castigo para nós porque fazemos muita coisa errada.
- Deus não castiga pessoas boas. – responde Helen. – E vocês são muito bons para mim. Quero um dia voltar para minha cidade.
- Um dia você vai voltar! – animado, diz Samuel.
- Você promete?
- Sim, eu prometo. – diz Samuel.

Os dois voltaram conversando para a casa do pai de Samuel. Helen explicou mais sobre Deus e a bíblia. De noite, na hora do jantar, o pai de Samuel pergunta:

- O que é esse livro?
- É uma Bíblia.
- Leia para a gente. – curioso pede o pai.
- Eu não sei ler. – diz a garota envergonhada – Mas o papai lia para mim todos os dias antes de dormir. O que tem para jantar?
- Jantar? – estranha Samuel.
- É... para comermos. – diz a inocente garota.
- Carne, como todos os dias. – responde Samuel.

O pai de Samuel traz a mesa um canídeo do deserto morto e cru. Então começa a desossá-lo ali mesmo. Helen não entende, mas seu estômago dá um nó e ela vomita no chão.

- O que foi Helen? – pergunta Samuel.
- Eu nunca comi carne crua.
- Aqui a gente só come carne assim.
- Não dá para assá-la? – pergunta Helen.
- Podemos jogá-la no fogo, talvez assim você coma. – diz o pai de Samuel.

Ele acende uma fogueira, fora de sua casa e coloca a carne por cima da fogueira.
Ao voltar o pai de Samuel vê Helen mostrando e explicando mais sobre a bíblia para seu filho.

- Sabe o Grande Espírito?
- Sim, sei. – responde Samuel.
- É Ele quem criou todas as coisas boas. Ele não fez nada que fosse ruim.
- E quem fez as coisas ruins? – pergunta Samuel.
- Foi um anjo do mau.

O olhar de Helen está perdido, fora do tempo e espaço. As paredes não seguram sua dor. A inocente menina não se dá conta da mudança que está acontecendo no caminho da vida.
No outro dia Samuel acorda cedo e junto com o pai vai para o deserto. O Sol escaldante queima até a pele negra dos dois. Eles caçam animais selvagens para se alimentarem. Na aldeia todos se alimentam de carne crua de animais do deserto. O pai de Samuel tem um olhar apurado e sabe onde encontrar comida. Ele vai para perto do carro da família de Helen, mas quando lá chega não encontra mais o carro, somente vestígios da explosão.

- Não estou entendendo, era para o carro estar aqui. – estranha o pai de Samuel.

Logo eles encontram um cachorro do deserto. E em um instante o pai de Samuel apronta o seu arco e acerta uma flechada no animal. Eles pegam o animal morto e levam-no para casa. Chegando à aldeia veem um homem brigando com Helen que está no chão chorando. Eles correm até ela:

- O que você está fazendo com ela? – grita o pai de Helen para o homem.

Samuel a pega pela mão a levantando.

- A menina branca estava falando contra o Grande Espírito – diz o homem enfurecido.
- É verdade menina branca? – pergunta o pai de Samuel à Helen.
- Não, não é verdade!
- É sim! – continua o homem – você estava falando para o meu filho a respeito desse seu deus.

Então, Samuel crendo que o Grande Espírito e Deus são o mesmo diz:

- Eu acho que tem uma confusão aqui. O Grande Espírito que nós adoramos se chama Deus para ela.

Sua estadia com os da aldeia era complicada, ninguém parecia gostar de Helen, exceto a família de Samuel. Todos pareciam recriminá-la e faziam de tudo para mostrar a ela que eles eram superiores. Por sua vez, Helen não ligava muito e gostava muito das pessoas da aldeia, mas mesmo assim chegou o tempo em que decidiu voltar para Boêria por seus próprios esforços. Ora, ninguém havia lá que soubesse onde ficava Boêria, mas um dia um garoto da aldeia lhe disse:

- Eu sei como você pode voltar para sua cidade.
- Como? – pergunta Helen
- Eu não vou dizer! – diz o garoto.
- Ah! Você vai dizer sim, ou eu quebro o seu nariz. – irrita-se ela, partindo para cima do garoto.
O garoto se defende das investidas dela torcendo-lhe o braço.
- Ai, ai... Me solta.
- Olha só, eu posso te ajudar, mas vai ter que fazer o que eu mando.
- Tudo bem, agora solta o meu braço.
- Eu solto, mas você tem que prometer que não vai contar nada pra ninguém.
- Tá certo, tá certo. Eu prometo.

O garoto solta o braço dela.

- O que é que eu tenho que fazer? – pergunta Helen.
- A primeira coisa que você tem que fazer é pegar uma coisa para mim, lá dentro da casa do chefe.
- O que? Você quer que eu roube? Jamais...
- Então você não quer voltar para a sua casa? – diz o garoto.
- Eu quero, mas não posso roubar, não é certo.
- Não vai ser roubar, vai ser só pegar emprestado.
- Eu sei a diferença entre roubar e pegar emprestado, não sou burra.
- Tudo bem então, se você não quer voltar para a sua casa o problema é seu. Acho que vou ter que fazer isso sozinho.

O garoto sai andando. Helen não quer ir contra o que acredita, mas quer voltar para sua cidade. Passam-se os dias e ela decide ajudar o garoto.

- Tudo bem, eu vou. O que você quer da casa do chefe. – diz Helen para o garoto.
- Bem, agora eu não quero mais te ajudar.
- O que? Por favor, eu quero ir pra casa.
- Tudo bem, mas olha só é muito perigoso. Se o chefe te pegar ele vai cortar sua mão. – diz o garoto.
- Ele não vai me pegar. O que tenho que fazer?
- Lá dentro na casa do chefe, ele tem uma faca muito bonita. Não é uma faca comum, é uma faca de guerra meio cumprida, o chefe guarda ela no seu quarto em cima de uma mesa com uma almofada vermelha. Eu quero que você pegue essa faca para mim.
- E como você vai me ajudar? – pergunta Helen.
- Assim que você chegar eu te falo.

Helen espera a tarde chegar, ela sabe que o chefe estará caçando no meio da tarde. Ela espreita-se e vê o chefe saindo de casa, quando decide correr em direção à casa do chefe, uma mão cai sobre seu ombro:

- O que você está fazendo aqui?
- Samuel? Bem... eu e só estou esperando.
- Esperando o que?
- Nada.
- Você está mentindo para mim, o que você ia fazer?
- Eu não posso contar se não eu vou levar outra surra.
- Surra? Quem vai te bater? – pergunta Samuel.
- Eu tenho que ir agora...

Helen sai correndo pela aldeia, tentando se esconder atrás das casas. Ao chegar na casa do chefe ela vai para a lateral da casa, ao ver a janela no alto, procura algo para subir e empurrar a janela para abrir. Ao acha umas caixas, coloca uma sobre a outra e força a janela, que abre facilmente. Ela entra pela janela.
Com cuidado avança pela cozinha em direção ao quarto. Quando chega ao quarto, abre a porta e vê uma adaga, bem como o garoto tinha dito, no alto do armário em cima de uma almofada vermelha.
Ela aproxima-se com cuidado, seu coração bate desesperadamente, sua respiração está mais rápida. Helen escora-se naquele armário e põe sua mão sobre a adaga. Ao descer sua consciência a acusa e ela tem um remogo, ou seja, uma luta interna contra o pecado. Em sua mente ela diz:

- Eu sei que é errado, mas eu preciso.
- Bem, eu preciso, mas não tenho que roubar. Talvez se pedir ao chefe, a quem estou enganando ele nunca vai me dar a adaga.
- Vou levá-la e entregar para aquele garoto fedido.
- Não! Vou deixá-la onde encontrei.

Helen então decide colocá-la de volta no lugar. Enquanto sobe no armário novamente ela ouve um barulho vindo de outro cômodo, nisso ela assusta e cai do armário, a adaga cai no chão ao seu lado. E entrando do outro cômodo Samuel aparece.

- O que você está fazendo aqui, sua doida?
- Ufa, achei que era o chefe.
- Essa é a casa dele. Você não deveria estar aqui. – diz Samuel irritado.
- Eu sei, mas é que um garoto me disse que se eu levar a adaga para ele, ele vai me ajudar a voltar para casa.
- Casa? – pergunta Samuel se entristecendo – você quer ir embora?
- Eu quero ir para minha casa, estou com saudades da minha família.

Samuel vira as costas e sai do quarto. Helen coloca a adaga no lugar e quando está saindo do quarto novamente Samuel aparece.

- Nossa... que susto! – diz Helen.
- Tome. – Samuel entrega-lhe um papel – Isso é um mapa. Tem uma cidade de brancos ao norte daqui, lá você vai se sentir mais em casa e alguém pode te levar para a sua família.
- É Boêria?
- Acho que não, já ouvi o nome dessa cidade, mas não me lembro. Só sei que não é Boêria.
- Obrigado, Samuel.
- De nada, Helen. – Samuel ouve a voz do chefe – Corre, vem. É o chefe.

Os dois voltam pela janela em direção a sua casa. No meio do caminho eles encontram o garoto que estava esperando a Helen.

- E então, pegou minha faca?

Helen passa, dá um soco no estômago do rapaz e sai correndo, Samuel também corre.

- O que você está fazendo? – pergunta Samuel.
- Depois eu te explico.

Helen se prepara durante a noite, arrumando uma trouxa com poucas roupas, sua Bíblia e mais um cantil.

- Você já vai?
- Nossa... você gosta de me assustar, né?
- Toma cuidado, tá?
- Eu vou tomar. – diz Helen.

Samuel se aproxima timidamente, mas dá um abraço bem forte em Helen. Ela sai em busca da cidade de Boêria. Antes de amanhecer ela está pronta para partir.

Comentários

Postagens mais visitadas