A História de Samuel e Helen - parte 6

A apreensão no hospital foi grande, Samuel tentava acalmar Helen:

- O que eu vou fazer? – desesperada pergunta Helen – Acabei de encontrar minha vó e ela está quase morrendo.
- Helen, espera que vai dar tudo certo. – diz Samuel – Eu estou do seu lado.
- Obrigado, Samuel. Você é o melhor amigo que alguém pode ter.


Quando estavam assim conversando a enfermeira entra na sala de espera e chama Helen, para despedir de sua avó.

- Ela não vai sobreviver muito tempo. – diz a enfermeira – É melhor você se despedir dela.

Helen entra no quarto onde está a cansada senhora.

- Vovó? Você está acordada? – sussurra Helen.
- Minha netinha, venha cá dar um abraço na vovó. – As duas se abraçam.
- Vovó, não tinha mais esperanças de encontrar minha família. Agora estou aqui com você, não se vá, por favor. – chora a menina Helen.
- Menininha, eu costumava te chamar de “menininha” quando você era menor. Vá procurar sua família em Boêria. Eles devem sentir muito a sua falta.
- Não sei onde fica Boêria. – triste, desabafa Helen.
- Eu sei alguém que pode te levar. Ele é comerciante... – depois de um longo suspiro ela retoma a fala – o comerciante vai para Boêria todo mês levar alguns produtos no caminhão dele. Acho que ele não vai se importar de levar você.
- Obrigado vovó.

A avó de Helen fecha os olhos e entrega o seu espírito.
Após algum tempo de espera, Samuel avista Helen saindo do quarto da avó. Ela parece bem decidida:

- O que foi? Como foi lá? – pergunta Samuel.
- Ela me falou para conversar com um homem. Vamos encontrá-lo agora.
- Mas ela está bem?
- Minha vó morreu.

Os dois se encontram com os dois homens da aldeia e Helen explica toda a situação para eles. Diz para os dois voltarem para a aldeia, explicarem para o chefe o que aconteceu e também que ela vai atrás de sua família.

- Samuel, você vem comigo? – pergunta Helen.
- Lógico, eu nunca vou te abandonar, Helen.

Dali eles saem ao encontro do comerciante. Quando o encontra, Helen explica que está indo à Boêria e pede carona.

- E quem vai para Boêria? – pergunta o comerciante.
- Nós dois. – responde-lhe Helen.
- Ele também vai? – após um pequeno estranhamento por parte de Helen e Samuel o comerciante diz – Meu caminhão está lotado. Não poderei levar vocês.
- Mas é a nossa única chance. – nesse momento os olhos de Helen enchem de lágrimas.
- Eu não posso fazer nada. – o comerciante entra na sua loja.
- O que faremos agora, Helen?
- Eu tenho uma ideia.

Ao anoitecer, depois de o comerciante fechar sua loja, Helen e Samuel estão do outro lado da rua se esgueirando no que podem para não serem vistos. Eles notam que o caminhão que será usado no transporte dos alimentos, ainda está lá.

- Acho que ele mora aí. – diz Helen a Samuel apontando para a casa do lado do comércio do homem. – Nós vamos ver se o caminhão já está carregado, se estiver entramos e nos escondemos lá. Se não, esperamos ele carregar e daí damos um jeito de entrar.

Eles se aproximam do caminhão furtivamente. Tentam abrir a porta de trás sem sucesso.

- E agora, o que faremos? – pergunta Samuel.

O céu ainda está escuro e é de madrugada. O comerciante se levanta e apronta-se para partir. Sai de casa, abre o caminhão pela porta do motorista e quando vai dar a partida vê um rapaz negro deitado na rua em frente ao seu veículo. Ele desce e vai falar com o jovem.

- O que você faz aí?
- Eu acho que quebrei minha perna? – fala Samuel sem saber o que dizer.
- Sua perna? – estranha o comerciante.

Enquanto os dois se falam Helen vai até o console do carro pega a chave, vai para trás do caminhão e abre a porta de trás. Mas quando vai devolver a chave o homem está virado em sua direção ajudando Samuel a se levantar.

- Ai, o que faço agora? – pensa Helen.
- Me leva até a calçada e está bom. Acho que não está quebrada, não. – disfarça Samuel, tentando forçar o comerciante a se virar.

O comerciante então vira e coloca Samuel na calçada. Estranhando todo o ocorrido ele sente o desejo de sair dali rapidamente.

- Bem, preciso ir. Até mais...

Apreensivo e sem saber se ela havia conseguido, Samuel fica alguns instantes temendo ser pego. Então avista Helen se espreitando pelo lado do caminhão para lhe chamar. O caminhão é ligado e parte sem demora. Samuel corre para alcançá-lo e consegue subir. Helen está lá segurando a porta, já dentro. Os dois fecham a porta, respiram fundo e começam a rir da situação.
A viagem não é muito confortável. Há diversos tipos de comida no caminhão e muitas caixas.

- Será que vai dar certo, Helen?
- Como assim “dar certo”?
- Não sei, será que você vai encontrar sua família?
- Boêria é uma cidade bem pequena. Vai ser fácil achar eles.
- E o que vai acontecer depois de você achar eles?

Samuel triste pressente a partida de Helen.

- Samuel, eu tenho uma família e eu amo eles. Tenho que fazer isso, eu vou ficar perto de quem eu amo.
Mas não se preocupe, porque eu te amo.

Samuel então começa a entender o verdadeiro significado do amor, mesmo que seja algo muito abstrato para ele, ainda assim seu coração é confortado por aquelas palavras e pelo sorriso discreto de Helen.

- O que serão essas caixas? – pergunta Samuel.
- Eu não sei, vamos ver.

Eles pegam uma das caixas e está repleto de garrafas de cerveja.

- O que é isso Helen?
- Eu não sei, mas acho que é de beber.

Samuel abre uma das garrafas e bebe.

- Urgh! O gosto é estranho.
- Eu não quero isso não, cheira ruim.

A viagem dura algumas várias horas, e então o caminhão para.

- Será que chegou? – pergunta Samuel.
- Eu não sei, vamos descer.

Os dois descem do caminhão, quando Helen desce e vê a cidade fica atônita. Algumas poucas casas estavam como ela se lembrava das construções de sua antiga cidade, apesar de que pareciam agora mais velhas e sujas. Outras casas já não tinham mais as tradicionais cercas, que foram substituídas por muros e eram agora construções arrojadas e grandes. O que mais chamou a atenção dela foram as luzes no meio da madrugada e por ainda haver pessoas nas ruas no meio da noite.

- Vamos, corre! – grita Samuel.
- Hey! Vocês... – grita o comerciante.

Os dois correm sem parar por vários minutos, dobram algumas esquinas e chegam a um beco.

- Será que o despistamos? – pergunta Helen com um olhar perdido.
- No que você estava pensando, se nos pegam lá o que íamos fazer? Pelo menos estamos no lugar certo?

Helen está confusa. As lembranças da pacata cidade veem a sua mente, mas o que ela vê é uma cidade diferente. Apesar disso ela sente ser aquela cidade Boêria.

- É... eu acho que aqui é Boêria, sim. Talvez seja alguma cidade parecida. Parece familiar, mas de longe não parece Boêria. Pode ter mudado ao longo de todo o tempo em que eu estive fora. Se for a cidade errada volto para casa, porque não quero perder meu tempo. E outra, todo mundo está morrendo, porque eu vim aqui saber que mais gente que gostava morreu também. Bem, agora já estou aqui.
- Helen, você viu como eles olharam para agente? Sei não, acho que não foi uma boa ideia.
- Tudo bem... vamos lá. Vamos achar meus avós.

Eles saem do beco e andam se espreitando pelas ruas.

- Já sei. – diz Helen – Vamos para lá. – então ela aponta para a igreja.

Dois rapazes encontram os dois, enquanto atravessam a rua.

- Quem são vocês? – pergunta um deles.
- Aaa... ééé... nós? – diz Samuel.
- O que te importa, meu chapa? – diz Helen.
- Cara, a gente deve estar muito loco mesmo, olha só para esse cara que tá aqui. – diz o outro rapaz.
- Vamos daqui, Samuel. – eles atravessam a rua e continuam indo em direção à igreja se espreitando.

Mas ao andar percebem que os dois rapazes estão atrás deles.

- Por que vocês estão se escondendo? – pergunta o primeiro rapaz.
- É porque eles fizeram alguma coisa errada, né!?

Assim que chegam à igreja, Samuel pergunta:

- E agora?

Helen para e fica olhando a igreja, os pensamentos vem e vão dentro da sua mente. As lembranças começam a abrir as feridas de sua alma. O amarganta foi inevitável. É aquela dor viva que tentamos evitar expor e sobe de dentro de nós até a garganta, então lá a reprimimos para não ir até a boca, ou mesmo aos nossos olhos.

- Está escrito “A Casa de Deus” ali. – ela aponta para os dizeres acima da porta. – Eu vou tentar lembrar do caminho que eu fazia com meus pais de volta para casa.
- Onde você quer ir, gracinha? – diz um dos rapazes – Nós te levamos para onde você quiser.

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